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Uniões Estáveis simultâneas: reconhecida a possibilidade da divisão da pensão por morte entre a viúva do casamento e a da união estável paralela

*Por Samira Tanus Madeira

No passado, tamanha era a influência da Igreja Católica na sociedade que o casamento válido era o celebrado no religioso. A partir do reconhecimento do Estado Laico pela Constituição de 1891, a primeira mudança ocorreu, de fato, desvinculando o casamento da religião, momento em que passou a ser válido somente o casamento civil, celebrado de acordo com os ditames legais.

Mesmo com o reconhecimento do Estado laico, até a Constituição da Republica de 1988, os filhos havidos fora do casamento eram todos ilegítimos. Embora existissem na vida real, não podiam existir para o Direito, ou seja, ficavam à margem da sociedade. Afirmavam que, deste modo, estavam protegendo o casamento, a moral e os bons costumes.

Somente com o Novo Código Civil de 2002 é que o casamento deixou de ser o regime absoluto de convivência “com intuito de criação de uma família”. Foi reconhecida a modalidade chamada de união estável e seus direitos foram tutelados.

É aqui o cerne do presente artigo, em que o Estado muitas vezes deixa de tutelar um tipo específico de relação existente, negando-lhe existência, sob fundamentos morais ligados ao Estado católico por essência. Porém, o Judiciário não pode deixar de tutelar relações derivadas do afeto, e suas diversas espécies de família, condenando as relações diversas do casamento.

Como exemplo, podemos citar um caso que ocorreu em 2018, onde A 4 ª turma do STJ deixou de reconhecer a existência da união estável em questão, simplesmente pelo fato do requerido ser casado e da outra companheira não ter conseguido provar que não sabia do casamento.

O caso foi justificado, em suma, pelo fato da autora não ter comprovado a não ciência da preexistência do casamento do requerido com sua cônjuge. Ou seja, foi negado o fato social de que conviveram por 17 anos cumprindo os requisitos da união estável, pelo simples fato da ciência ou não da existência do casamento. É que, se a autora tivesse conhecimento, estaria caracterizado o concubinato.

Mas a pergunta é: e se a esposa possui ciência da união estável, não estaria esta aceitando as consequências jurídicas desta relação? Qual o motivo que nos leva a beneficiar o casamento em detrimento das diversas relações contemporâneas?

O jusrista Rodrigo da Cunha Pereira, no brilhante artigo Direito de Família e Fetichismo, afirma que: “O justo e o legal nem sempre são coincidentes. Ao depararmos com esse velho e persistente dilema, melhor seguirmos pelo caminho do justo. Ficar apegado excessivamente à literalidade da lei pode significar insegurança ou um fetichismo. Precisamos desvendar esse mistério.”

Enquanto a jurisprudência do STJ não admite o reconhecimento de uniões estáveis paralelas ou de união estável concomitante ao casamento em que não configurada separação de fato, os tribunais estaduais andam em caminhos diversos, reconhecendo o fato e aplicando os direitos decorrentes da união. Se, de fato, existem duas relações com todos os fundamentos jurídicos inerentes à união estável, negar-lhe vigência é o mesmo que negar existência do Estado democrático de direito e seus princípios, Em especial os da dignidade humana, da pluralidade das famílias, da menor intervenção estatal e autonomia privada.

Recentemente, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina reconheceu a possibilidade da divisão da pensão por morte entre a viúva do casamento e da união estável paralela ao casamento, em caso de morte daquele que era o companheiro de uma e o esposo da outra.

Pelo exposto, inevitável é apegar-se à literalidade da lei sem interpretá-la no contexto social, que exige a constante evolução do direito, onde o critério do justo deve estar associado a uma interpretação do Direito em consonância com outras fontes do Direito.

*Samira Tanus Madeira é advogada (OAB/ RJ 174.354), com especialização em Direito Processual Civil e Direito Imobiliário.  Sócia do escritório Tanus Madeira Advogados associados, fundado em 1983, com unidades nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Macaé- RJ.