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MP’s 948 e 925 socorrem cias aéreas e empresários do turismo, deixando o consumidor mais vulnerável.

Salto Morato - Influenciadores Boticario-00206 LEGENDA

*Por Samira Tanus Madeira

Diante da pandemia do novo coronavírus, diversos setores foram afetados economicamente. Dentre eles, a área de eventos, do turismo e as companhias aéreas ficaram à beira do nocaute, sem saber como agir com as reservas de hotéis, passagens e ingressos de eventos já adquiridos pelo consumidor. Com a Medida Provisória 948/20 e a 925/20, o fôlego diante de tantas incertezas e inseguranças jurídicas apresentadas pelo atual cenário mundial traz, ainda que distante, um ar de esperança.

A MP 948/2020 dispõe sobre o cancelamento de serviços, de reservas e de eventos dos setores de turismo e cultura, em razão do estado de calamidade pública  decorrente do coronavírus (covid-19). Prevê que, na hipótese de cancelamento de serviços, de reservas e de eventos, incluídos shows e espetáculos, o prestador de serviços ou a sociedade empresária não serão obrigados a reembolsar os valores pagos pelo consumidor, desde que assegurem: a) a remarcação dos serviços, das reservas e dos eventos cancelados; b) a disponibilização de crédito para uso ou abatimento na compra de outros serviços, reservas e eventos, disponíveis nas respectivas empresas; ou c) outro acordo a ser formalizado com o consumidor. Estabelece que as relações de consumo regidas pela Medida Provisória caracterizam hipóteses de caso fortuito ou força maior e não ensejam danos morais, aplicação de multa ou outras penalidades.

Já a MP 925/20 visa, principalmente, diminuir o impacto dos cancelamentos no setor da aviação civil, buscando uma segunda via – a do adiamento. Dispõe sobre medidas emergenciais em razão da pandemia da covid-19, que incluem: a) prazo de até 12 meses para devolução do valor de viagens compradas até 31 de dezembro de 2020 e canceladas em razão do agravamento da referida epidemia; e b)  recebimento  de crédito, para adquirir outra passagem aérea, no período de até 18 meses, contados da data do voo contratado, isentando-se, ainda, os consumidores das penalidades contratuais.

Analisando juridicamente as duas Medidas Provisórias, percebe-se que  alguns direitos previstos no Código de Defesa do Consumidor foram mitigados. Em relação à MP do turismo e serviços, o ponto crítico diz respeito à possibilidade das empresas estabelecerem “outro acordo com o consumidor”. Considerando a sua vulnerabilidade, teria este a possibilidade de não aceitar o que for estipulado diretamente pelas empresas?

Já a MP de ajuda ao setor aéreo modificou o prazo de reembolso de 7 dias para 12 meses em caso de cancelamento do vôo ou atraso superior a 4 horas, aplicando, neste caso, as regras tarifárias previamente contratadas. Isso significa que se, por exemplo, for adquirida uma passagem área promocional e a companhia aérea cancelar o vôo, o consumidor arcará com as penalidades previstas na regra do bilhete adquirido, mesmo o cancelamento tendo sido efetuado pela empresa aérea. Ou seja, o risco da atividade empresarial foi retirado da empresa e colocado sobre o lado mais vulnerável da relação contratual: o consumidor. Deste modo, para receber a integralidade do valor pago, será necessário escolher a devolução em crédito, o que condicionará a realização de outra viagem.

É sabido que há urgência na busca de uma recuperação para os setores da economia fortemente atingidos pela pandemia. No entanto, é necessário buscar assegurar os direitos e garantias do consumidor. É que não há socorro de um sem a permanência do outro, já que o sustento das referidas áreas decorrem do consumo dos serviços prestados.

A própria Constituição Federal assegura que a ordem econômica deverá observar os princípios da defesa do consumidor, conforme abaixo colacionado:

Artigo 170, inciso V, da Constituição Federal:

“A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

V – defesa do consumidor.

Deste modo, conclui-se que, embora as medidas trazidas sejam em grande parte benéficas para os setores diretamente atingidos, há sempre a necessidade de que a boa-fé direcione a busca pelo equilíbrio entre as partes, para que seja assegurado os direitos do consumidor e este continue contribuindo com a ordem econômica a fim de que saiamos todos da grave crise provocada pela pandemia.

*Samira Tanus Madeira é advogada (OAB/ RJ 174.354), com especialização em Direito Processual Civil e Direito Imobiliário.  Sócia do escritório Tanus Madeira Advogados associados, fundado em 1983, com unidades nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Macaé- RJ.